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“O STF, AO PRIVILEGIAR AS CONSEQUÊNCIAS ECONÔMICAS DAS DECISÕES, VOLTA ÀS COSTAS PARA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS”

Autor de diversas obras sobre Direito Previdenciário, o juiz federal José Antonio Savaris acredita que os direitos à assistência e à previdência social não são compreendidos de maneira adequada por muitos operadores do direito e até mesmo pelos membros do Supremo Tribunal Federal (STF). Na visão do jurista, a opção por privilegiar o equilíbrio econômico do sistema da seguridade social acaba por violar esses direitos fundamentais. O grande número de processos judiciais envolvendo questões previdenciárias, por sua vez, é criticado pelo magistrado, principalmente pela postura da administração em não adotar teses pacificadas pelos tribunais superiores. Em entrevista ao Justiça & Direito, Savaris defende a importância desses direitos sociais e comenta as diferenças entre os regimes próprio e geral de previdência social. 



Como os direitos fundamentais são tratados pelo Supremo Tribunal Federal?

 

Na minha percepção, os direitos previdenciários, muito embora tenham seu caráter de direito fundamental reconhecido pelo STF, são direitos incompreendidos, quiçá subestimados nas decisões da Suprema Corte. Há um duplo desafio para a compreensão e a efetivação do direito previdenciário em juízo. O primeiro desafio é a limitação a interpretar a lei tal como está no texto, sem encontrar possibilidades de interpretação que venha a fortalecer o sistema de proteção. O que vemos é a aplicação literal do texto da lei e não em consonância com a Constituição e com a finalidade do sistema de proteção social previdenciário. O outro desafio, talvez ainda mais sério, é o obstáculo das consequências econômicas das decisões previdenciárias. O que se percebe em várias decisões do STF é um atuar de acordo com o impacto financeiro que uma decisão possa gerar. O STF leva em conta de maneira primordial o equilíbrio financeiro e atuarial da seguridade social e busca assegurar uma eficiência econômica da previdência social, ainda que à custa de um direito fundamental. É como se assegurar o direito fundamental tal como ele é previsto na lei custasse o desequilíbrio das contas previdenciárias. Esse argumento é acolhido sem juízo crítico. Parece-me que o STF, ao olhar com primazia para as consequências econômicas das suas decisões, volta às costas para os direitos fundamentais sociais. 



Então o rombo da previdência não pode ser usado como argumento para a restrição dos direitos previdenciários?

 
Ficha técnica

Natural de: Curitiba (PR)

Currículo: doutor em direito da seguridade social pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre e graduado em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Juiz federal da 3ª Turma Recursal do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

Juristas que admira: Ingo Wolfgang Sarlet e Flávia Piovesan

Leu recentemente: A arte da vida, de Zygmunt Bauman

Nas horas vagas: joga e assiste a futebol

Fala-se que é necessário atentar para a sustentabilidade econômica da previdência, com olhar para as gerações presente e futura, mas eu não posso deixar de proteger a geração presente ao mero argumento não comprovado de que as gerações futuras não poderão contar com a previdência social. É um argumento que é carente de comprovação e tido como verdade absoluta e em razão disso os direitos fundamentais da geração presente acabam por ser subestimados na sua eficácia pela Suprema Corte. 

Como o senhor avalia a intensa judicialização das questões previdenciárias?

 

Eu diria que a judicialização é necessária. É importante que o cidadão tenha para casos particulares a tutela jurisdicional para uma aplicação equitativa da lei, mas não é desejável que ela esteja como no nível atual. Há uma judicialização excessiva em termos previdenciários e muito por causa de uma recalcitrância da administração previdenciária em se alinhar às orientações do Poder Judiciário. São três fatores que levam a isso. O primeiro é a dificuldade da administração previdenciária em se alinhar a uma orientação jurisprudencial firme ou a decisões do Judiciário em um determinado sentido. Louve-se, porém, uma instrução normativa que autorizou os procuradores federais a não interpor recurso em alguns pontos que foram pacificados pela jurisprudência do STJ e do STF. Isso é uma medida louvável, porque, se a administração se alinha ao que dizem os tribunais superiores, não haverá litígios nessa questão. 

Qual seria o outro fator?

É a carência econômica. Muitas pessoas buscam na previdência social um ganho e vêm à Justiça para buscar um direito a que não fazem jus. Um terceiro ponto é algo positivo do sistema, uma garantia constitucional, que é a assistência judiciária, a isenção de custas para os carentes. Isso é uma grande conquista da cidadania porque a pessoa pobre consegue acesso à Justiça. Por outro lado, isso tem um efeito colateral, que é fazer com que ações que dificilmente encontrarão amparo sejam aforadas porque não há nenhuma perda.

 

A legislação previdenciária precisa ser atualizada?

 

As leis atuais foram editadas de acordo com a então nova Constituição de 1988 e nunca deixaram de ser recortadas. Na época, nós tivemos um embate ideológico. De um lado, uma legislação que concretizava direitos sociais e, de outro, um vento neoliberal muito forte no início dos anos 1990 que buscava a restrição de despesas sociais e o enxugamento da máquina estatal. Por força desse ideário de responsabilidade fiscal, nós tivemos em pouco mais de 20 anos inúmeras reformas previdenciárias. Se há um fio condutor em todas essas reformas, é a diminuição do nível de proteção, de maneira a tornar mais difícil o acesso a um benefício previdenciário. As reformas que tivemos na legislação previdenciária vão à contramão de uma cláusula fundamental dos tratados de proteção dos direitos humanos, econômicos e sociais, que é a cláusula do desenvolvimento progressivo. A ideia é que os Estados vão progredindo e aumentem seu campo de proteção social, efetivem os direitos sociais na medida das suas possibilidades econômicas. Não o contrário. 


Como o senhor enxerga as diferenças entre os regimes próprio e geral da previdência social?

 

Nós temos historicamente tratamentos diferenciados para a previdência do setor público e para o trabalhador da iniciativa privada. Sempre a política remuneratória do servidor público envolvia o trabalho em atividade e também os servidores inativos. Como ele está privado de uma série de coisas, você tem assegurada uma aposentadoria diferenciada. Tanto que não se falava em contribuição dos servidores para sua própria previdência, porque isso estava dentro do acordo remuneratório. De maneira distinta era o regime geral, que sempre foi percebido como um grande seguro social, com o patamar de limite máximo. No entanto, de uns tempos para cá, há um alinhamento, uma convergência no tratamento previdenciário. Nós temos hoje no regime próprio um limite máximo. Apenas os servidores públicos mais antigos têm assegurada a chamada paridade. Há diversas distinções. No regime próprio, existe idade mínima. Ninguém se aposenta no serviço público com menos de 53 anos de idade para homens e 48 para mulheres. Além disso, os servidores públicos inativos têm de continuar contribuindo para a seguridade social depois de aposentados. Já no regime geral, a Constituição traz uma imunidade, de modo que não incide contribuição previdenciária sobre aposentadoria e pensão. 


Existem benefícios previdenciários que são criticados em redes sociais, como o auxílio-reclusão. A que o senhor atribui esse comportamento?

 

Há de uma maneira geral uma má compreensão sobre a finalidade da previdência social. A previdência se destina a proteger seu segurado e seus dependentes nas hipóteses de necessidade econômica. O auxílio-reclusão é um paralelo à pensão por morte. Aquele que provia o sustento do menor ou dos dependentes deixa de poder, não porque faleceu, mas porque se encontra recluso. Há um fato que gerou aquela necessidade social e não podemos deixá-los desamparados. A reprovação social por aquela conduta se dá no plano criminal. Por outro lado, a situação de necessidade leva a sociedade a agir no plano do direito social para proteger a vida contra aquele estado de necessidade. Permite que aquele menor já estigmatizado por ter um pai preso não tenha minadas as possibilidades de continuar estudando. A pena não pode ultrapassar a pessoa do responsável. O benefício não se destina ao preso, mas à família daquele que contribuía para a previdência social.

         


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